A semente: Dona Ivone Lara, Voz e Corpo da Síncopa do Samba



Esta é a capa da minha tese de doutorado encadernada. E abaixo trecho do texto do intelectual Muniz Sodré que inspirou muito do que foi este trabalho de doutorado assim como a composição do título acima. Já o livro, é uma outra história. Ele parte dessa semente e dos insights que surgiram nessa caminhada, mas ele é antes de tudo uma homenagem ao talento e história artística de Dona Ivone Lara.





Samba, o dono do corpo

                        Duke Ellington disse certa vez que o blues é sempre cantado por uma terceira pessoa, “aquela que não está ali”. A canção, entenda-se, não seria acionada pelos dois amantes (falante e ouvinte ou falante e referente implícitos no texto), mas por um terceiro que falta – o que os arrasta e fascina.
            A frase do famoso band-leader norte-americano é uma metáfora para a causa fascinante do jazz: a síncopa, a batida que falta. Síncopa, sabe-se, é a ausência no compasso da marcação de um tempo (fraco) que, no entanto, repercute noutro mais forte. A missing-beat pode ser o missing-link explicativo do poder mobilizador da música negra nas Américas. De fato, tanto no jazz, quanto no samba, atua de modo especial a síncopa, incitando o ouvinte a preencher o tempo vazio com a marcação corporal – palmas, meneios, balanços, dança. É o corpo que também falta – no apelo da síncopa. Sua força magnética, compulsiva mesmo, vem do impulso (provocado pelo vazio rítmico) de se completar a ausência do tempo com a dinâmica do movimento no espaço.
            O corpo exigido pela síncopa do samba é aquele mesmo que a escravatura procurava violentar e reprimir culturalmente na História brasileira: o corpo do Negro. (11)
A síncopa, já dissemos,  é uma alteração rítmica que consiste no prolongamento do som de um tempo fraco num tempo forte. […] A síncopa brasileira é rítmico-melódica. Através dela o escravo – não podendo manter integralmente a música africana – infiltrou a sua concepção temporal-cósmico-rítmica nas formas musicais brancas. (25-26)
Muniz Sodré em Samba, o Dono do Corpo, 2002. 







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